segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Chocolate


Ela é solteira. Não sozinha. Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas, também, sabe deixar as unhas em cacos quando dá vontade. Esbanja esquisitices ao falar dos seriados prediletos. E se cala quando o assunto é sobre o porquê dela não ter namorado.

 Ela toma chá quando o tempo é frio e quente também. E bebe cervejas em canecas, como homens pré-históricos. Ela ri de palavrões e de piadas de humor negro. Mas, também, se derrete mais do que picolé em frigideira quando recebe um SMS romântico de madrugada. Mas por que não namora?

 Ela acorda, escova os dentes de quem já usou aparelho, toma um café preto bem forte, se arruma e vai trabalhar. Prefere usar preto. Mas desbanca qualquer havaiana bonita quando inova em alguma vestimenta cheia de flores coloridas. Ela é linda e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da novela, da mãe, da crise do Paraguai e de literatura. Mas por que tu não namoras?

 Quando o assunto é sexo, ela fala mais do que escuta. Escuta com os ouvidos, com os olhos, com a boca e com os pelos da coxa. Transa menos do que deseja. E sabe esconder alguma aspirante a Sônia Braga dentro daquele decote comportado. Ela curte Madonna, Djavan e Ira. E fala que eu tenho péssimo tom de voz. Lê Machado, Vinicius, Quintana e Fernando Pessoa. Mas diz que, também, gosta das minhas histórias.

 É estranha, também. Assumo. Corta o cabelo de acordo com as fases da lua e gosta de comer macarrão com maionese e feijão com queijo. Gosta de umas bandas que ninguém conhece e chora com as histórias do Nicholas Sparks. Liga o ar condicionado porque gosta de dormir sentindo frio e acaba repousando feito uma esquimó com meias e edredom. Uma linda esquimó, por sinal. Não sabe usar o celular. Costuma atender as ligações somente após a quarta tentativa de chamada. Não, ela não ignora. Ela perde tempo é procurando o celular na bolsa, debaixo da cama ou pia do banheiro. Mas, vez em quando, ela sabe ignorar também. Não sabe dançar. Recusa os convites, mas adora ser convidada. Odeia batom e gosta de brincos de grandes.


 Mas por que ninguém conseguiu ultrapassar esse muro de Berlim que você ergueu no teu peito? Ela desconversa. Ri de canto de boca e me pergunta se eu fumo tentando desviar o assunto pra longe. Eu insisto. Falo coisas demodês e jogo no ar o fato de que eu a acho perfeita. Ela empina o nariz, me lança aqueles olhos negros enormes e ajeita-se sobre a mesa. Muda o tom e me fala: “Porque eu não quero”. E eu rio sem graça da minha maldita ideia de achar que todo mundo quer ter alguém para dividir os chocolates.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Por que eu gosto tanto de crianças?


Muitas vezes rejeitamos as pessoas que estão em nossas vidas, não sabemos se as queremos ao nosso lado, desejamos estar com outras pessoas. O resultado dessas inquietações é que, quando nos preocupamos com o que queremos ou não de alguém ou com o que aprovamos ou não nessa pessoa, deixamos de ver sua bondade, sua astúcia, sua delicadeza, sua tristeza ou seja lá o que for que ela tenha a oferecer. Esses pensamentos impedem que aproveitemos o prazer de cada momento.  Crianças não esperam nada de nós, não nos rotulam, não nos julgam, aproveitam o que temos de melhor. Nos enxergam como seres de igual para igual, nos sorriem verdadeiramente, nos dão suas mãos quando precisam de nossa segurança, de nosso carinho.  Gosto de estar com crianças por que elas têm uma mente tranquila e uma mente tranquila vê o que está aqui. Uma mente ocupada vê o que não está aqui. Aquele que está presente é nada mais, nada menos, do que aquele que está presente. Portanto, você pode pensar o que quiser sobre as pessoas, mas saiba que isso não vai transformá-las.

Crianças não querem nos transformar, nos amam pela nossa presença, pelo carinho e atenção dedicados a elas.

Gosto de estar com crianças porque sinto seus corações puros, aquele que ainda não foi estragado pelo mundo. Aquele que ainda não rejeita, que não mente, que não desrespeita.

Com as crianças renovo meu eu, busco o prazer dos momentos, a falta de limites para sonhar. Sim, quando criança ninguém me dizia que não era possível, que eu não era capaz.

É com elas que relembro que preciso recuperar a magia da infância e fazer valer a crença de que confiando exclusivamente em mim, posso ultrapassar qualquer fronteira!